terça-feira, 3 de junho de 2014

Cartas para Julie: Estilhaços.



São sempre as mesmas clemências, vindas de fora e de dentro, de fora pra dentro.
Fumo que expiro leva consigo os mesmos conflitos, amarguras que deixam o mesmo gosto na boca.
Retratos nunca revelados, emoldurados pelas mesmas metades.
Metade, morno.
Lágrimas queimam o rosto, e já não desviam o sorriso.
São essas músicas.
Esses lugares.
Essas pessoas.
Esses cheiros.
Essas roupas.
Estas paredes.
Estas cartas.
Remetem você.
Cobranças que perduram.
Certeza que dança desequilibrada pela linha rúptil da consciência.

"O beijo, amigo, é a véspera do escarro.A mão que afaga é a mesma que apedreja."

Em meio à bruma, percebi.
Quando equilibrei-me em meus próprios joelhos,
Quando despi-me sozinha de todas as horas,
Todo o dissabor
A piedade,
O pesar,
Toda a armaria.
Quando enxerguei
Você.
Você
Me viu.
Mentiu... Amiúde.

Só me prometa, em tua equidade. Prometa-me nada menos do melhor que há em teu âmago. O que um dia vi. Faça-me vê-lo de novo. Dê-me. Faça-nos interdependentes.
Pois sim
Ainda há
Em mim,
Você.


Alforrie-se.


                                                                                                             Allan.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Entre a Cruz e a Espada (Despetalando)

Sei o que disse.
Que não te escreveria mais.
Eu desisto, francamente. Desisto, porém não resisto. Você, dentre tudo aquilo que sonhei um dia, é minha inesgotável fonte de inspiração. E conhecendo-te em todos os teus quatro cantos até onde me permitira, digo-lhe para não orgulhar-se tanto neste papel.

E quando digo que te escrevo, não é que tais palavras se direcionem a você. Além disso, elas são você. Escrevo-te. Leio-te. Sou em ti. Tudo o que nunca me vi capaz de proferir, ao mesmo tempo que significam tudo o que desejo ouvir na tua voz.

Ah, Julie. É frustrantemente provável que eu seja somente mais uma história amarga, daquelas que qualquer dono de boteco ouve numa madrugada de sexta-feira, balbuciadas por um mero bêbado, juntador de meias palavras de uma meia vida vivida pelas bordas. Tantas vezes me obriguei a assistir você fazer menção de partir pra sempre. Tantas vezes fui agredido pelo teu silêncio. Ô, meu bem... Se algum dia quiser realizar meus pesadelos, me acorde antes de ir.
Escolhi esta sentença. A ruína mais prazerosa que há, no martírio sufocante e inegável. No pior dos vícios, que mesmo após a overdose, te deixa vivo. Só pra te fazer doer as sequelas, e você ainda ri.
Ri por sentir-se imbecilmente feliz.

Que a vida me seja em vão se possível for haver felicidade plena sem amor.
E que ela não me baste se tal amor for em vão.
Faz-me viver-te a cada dia o consolo certo de que amor algum nasce em vão. Jamais vi a plenitude, senão ao teu lado. Passa o tempo e eu não sou capaz de me livrar de você, antes que você vire a página sem mim.

Sou tudo aquilo que planejei sem saber.
Eu sou.
Tu és.
Nós sonhos.

                 
                 

                           Pela última vez antes das                   próximas tempestades substanciais, Allan.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Ao Ouvir Caetano.



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Quando foi que algo se sobrepôs a nós?




Quando foi que eu disse Adeus?
Sabe, aquela palavra que corta um elo pra sempre? Que empurra você prum lado e eu pro outro? Que nos faz virar as costas e chorar feito um bebê? Que deixa tudo tão solto?

Quando foi que eu disse que te amo?
Sabe, o amor? Aquela coisa que se sente no centro da gente, aquilo que nos faz olhar o outro pelos olhos de Deus? Isto é, da melhor forma impossível que se torna possível. Que te faz abrir mão do próprio orgulho? Que te faz tão bem, mas tão bem, que dá medo? E ainda assim te faz sentir seguro?

Quando foi que eu prometi pra mim nunca mais chorar?
Sabe, aquilo que acontece quando alguém diz Adeus? Que te faz perceber que andou além do precipício? Aquela coisa involuntária que a gente faz quando se machuca? Que você sabia que ia acontecer desde o início? E mesmo assim você vai...

Quando foi que você decidiu fazer tudo sozinho?
Sabe, quando você disse que a decisão era só sua? Quando você resolve acabar antes que se esvaia. Quando você considerou assoprar o nosso castelinho de cartas? Quando eu nadei o oceano pra me afogar na beira da praia.

Quando foi que as coisas se converteram em indecisão?
Sabe, quando você sabe o que quer e mesmo assim acha que deveria querer outra coisa? Quando você superestima todos os avisos? Quando você acha que as razões se sobrepõem aos desejos, que as certezas se sobrepõem aos sorrisos?

Quando foi que algo se sobrepôs a nós?

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Dia 9 do Silêncio (Cartas para Julie)

"Nem ao menos sei de onde devo partir. Há tantas fissuras que deixei pra trás, tantas coisas que deveriam ter sido ditas, questionadas, acrescentadas. Como perfeito covarde que sou, temi a tua postura diante daquilo que me tira o sono progressivamente. Segui o caminho que me pareceu mais conveniente no momento. Mas certas coisas são auto esclarecedoras, pelo próprio tempo. Coisas que me fogem do controle. E o que não pode ser explicado sem a minha interferência, permanece em meu tempo. Me cobra a cada fôlego, palavras que não sei dizer. Não sei como dizer. Esta é a principal razão pela qual lhe escrevo. Talvez, se minha atenção não estiver focada nos teus olhos, eu consiga desatar o nó da garganta.
Por tantas vezes anotei o que deverias saber, por tantas vezes guardei cada palavra ensaiada... Palavras que hão de atuar em meu lugar agora.

Não, não me sinto normal. Sinto como se todo aquele tempo em que passei me lamentando, toda a minha paciência, toda a insuficiência, tudo aquilo que abri mão, todo o tempo que esperei, tudo o que eu senti, de fato valesse algo agora. O curioso, é que o receio cresce. Receio? Medo. Medo de que a minha insuficiência, seja suficiente para que tudo finde-se por aqui. Medo de que seja só um susto. Medo de que só estejas embaralhando o que de fato sente por mim, com o que pensa que deve sentir. Medo de ser incapaz de controlar minhas próprias expectativas. Medo da sua ausência. Medo de ser incapaz de completá-la, Julie. Medo de que tudo aquilo volte, o que eu sentia. Que volte e me devaste, me governe. Estou fazendo o que posso para impedir, mas está voltando aos poucos. Juntamente ao meu pânico. Não me compreenda erroneamente, não voltaria atrás para mudar nada (a não ser tais palavras). E nem desejo recuar. Este é o ponto: permanecemos inertes. Compreensível, mas restrito. Cômodo. Monótono? Não. Peço que não encare as demais idéias como algo a ser obrigatoriamente seguido, mas como um diálogo (algo que não consigo sustentar, você bem sabe).

Se bem que tanta coisa habita no silêncio... Tanto pensamento mal formulado, tanta angústia engasgada. Tantos gritos calados. Tanta cumplicidade, tanto afeto. O silêncio nos desorienta, astuto. A linha de raciocínio quebra-se tão facilmente, não sei se por culpa tua ou minha. Sei que o futuro me amedronta. Já lhe contei que sofro de nictofobia? Logo conclui-se: temo tudo aquilo que permanece fora do meu controle. Seguir a vida de olhos fechados, é o que procuro evitar. Mesmo sendo necessário. Com alguns tropeços e joelhos ralados, aprende-se a caminhar. E sem caminhar não se recua, mas também não se evolui. Inércia.

Sei que as tuas expectativas em relação ao que mantemos são distintas, bem sei. E quem sabe, nossos objetivos sigam direções opostas. Talvez nunca se encontrem. Talvez eu não lhe baste. Talvez a caminhada lhe seja extensa demais. Mas só talvez, não seja preciso movimentar agora. É tempo para o repouso. Nosso repouso."


Allan.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Premeditar.

Premeditar.
Premedita-me.
Pré-medita sobre mim,
Pré-me-dita.
Como ousa?
Se pré-me-ditas
Pré-me-julgas
Pois dite!
Após melhor meditar,
Medite,
Me-dite novamente.
Premeditas a superfície
Livra-te dos teus pré-conceitos!
Pré-ditas o que não pré-meditas.
Oras.
Pré-me-dite em silêncio.
Observe.
Estude.
Prove.
Ou melhor,
Pós-me-dite.

domingo, 26 de maio de 2013

Abrir as janelas, respirar.

É tempo de mudanças.
Foi-se o tempo dos papéis rascunhados,
Dos restos de borracha,
Foi-se o tempo de apagar.
A época de arriscar esboços finda-se agora.
É tempo de mudanças.

É chegada a hora.
Hora de subir as escadas,
Apertar o botão para o último andar.
Abrir as janelas, respirar.
Ver as nuvens de perto.
É chegada a hora.

Preparem-se os corações.
O que era incerto permanece incerto,
Apesar dos rumores.
Rugem os céus, quieta-se a alma.
Trovoam no âmago os anseios,
Caem as gotas de água.
Preparem-se os corações.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Fátima (Prantos Para Julie)

         13 de maio, noite de uma gélida e cruciante sexta-feira. Allan dormia no sofá da sala, o corpo doído não interferia no semblante desalento que desenhava-lhe o rosto. Na cozinha, a garrafa de uísque não omitia o que ele costumava alcunhar a si mesmo como vergonhoso, fraco e condenável. Um ser humano que travara a pior das guerras: contra si mesmo.

I'll never let you see the way my broken heart is hurting me...

Era ininterrupto, cíclico. Carregava nos ouvidos os mesmos conselhos impacientes, "você é um idiota", ele sabia que a linha entre a estupidez e a esperança era tênue e que sua caminhada sobre ela era um tantinho desequilibrada. Vez ou outra ele bambeava, um lado puxava e o outro tentava segurar firme.

I've got my pride, and I know how to hide all my sorrow and pain...

Sua mente agora dançava. Dançava e dançava descalça sobre a neve, neve de uma floresta cujos pinheiros eram negros, as flores não exalavam cheiro e o horizonte acabava em cinza. Inabitada, abrigando pés roxos e um sorriso tão velho e gasto que necrosava. E a chuva chegava. E sua mente dançava descalça sobre a neve, dançava, dançava... Até que alguém surgisse na cova da Iria e soprasse-lhe os medos para longe.

I'll do my crying in the rain...




Desperte, amor.