terça-feira, 30 de julho de 2013

Ao Ouvir Caetano.



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Quando foi que algo se sobrepôs a nós?




Quando foi que eu disse Adeus?
Sabe, aquela palavra que corta um elo pra sempre? Que empurra você prum lado e eu pro outro? Que nos faz virar as costas e chorar feito um bebê? Que deixa tudo tão solto?

Quando foi que eu disse que te amo?
Sabe, o amor? Aquela coisa que se sente no centro da gente, aquilo que nos faz olhar o outro pelos olhos de Deus? Isto é, da melhor forma impossível que se torna possível. Que te faz abrir mão do próprio orgulho? Que te faz tão bem, mas tão bem, que dá medo? E ainda assim te faz sentir seguro?

Quando foi que eu prometi pra mim nunca mais chorar?
Sabe, aquilo que acontece quando alguém diz Adeus? Que te faz perceber que andou além do precipício? Aquela coisa involuntária que a gente faz quando se machuca? Que você sabia que ia acontecer desde o início? E mesmo assim você vai...

Quando foi que você decidiu fazer tudo sozinho?
Sabe, quando você disse que a decisão era só sua? Quando você resolve acabar antes que se esvaia. Quando você considerou assoprar o nosso castelinho de cartas? Quando eu nadei o oceano pra me afogar na beira da praia.

Quando foi que as coisas se converteram em indecisão?
Sabe, quando você sabe o que quer e mesmo assim acha que deveria querer outra coisa? Quando você superestima todos os avisos? Quando você acha que as razões se sobrepõem aos desejos, que as certezas se sobrepõem aos sorrisos?

Quando foi que algo se sobrepôs a nós?

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Dia 9 do Silêncio (Cartas para Julie)

"Nem ao menos sei de onde devo partir. Há tantas fissuras que deixei pra trás, tantas coisas que deveriam ter sido ditas, questionadas, acrescentadas. Como perfeito covarde que sou, temi a tua postura diante daquilo que me tira o sono progressivamente. Segui o caminho que me pareceu mais conveniente no momento. Mas certas coisas são auto esclarecedoras, pelo próprio tempo. Coisas que me fogem do controle. E o que não pode ser explicado sem a minha interferência, permanece em meu tempo. Me cobra a cada fôlego, palavras que não sei dizer. Não sei como dizer. Esta é a principal razão pela qual lhe escrevo. Talvez, se minha atenção não estiver focada nos teus olhos, eu consiga desatar o nó da garganta.
Por tantas vezes anotei o que deverias saber, por tantas vezes guardei cada palavra ensaiada... Palavras que hão de atuar em meu lugar agora.

Não, não me sinto normal. Sinto como se todo aquele tempo em que passei me lamentando, toda a minha paciência, toda a insuficiência, tudo aquilo que abri mão, todo o tempo que esperei, tudo o que eu senti, de fato valesse algo agora. O curioso, é que o receio cresce. Receio? Medo. Medo de que a minha insuficiência, seja suficiente para que tudo finde-se por aqui. Medo de que seja só um susto. Medo de que só estejas embaralhando o que de fato sente por mim, com o que pensa que deve sentir. Medo de ser incapaz de controlar minhas próprias expectativas. Medo da sua ausência. Medo de ser incapaz de completá-la, Julie. Medo de que tudo aquilo volte, o que eu sentia. Que volte e me devaste, me governe. Estou fazendo o que posso para impedir, mas está voltando aos poucos. Juntamente ao meu pânico. Não me compreenda erroneamente, não voltaria atrás para mudar nada (a não ser tais palavras). E nem desejo recuar. Este é o ponto: permanecemos inertes. Compreensível, mas restrito. Cômodo. Monótono? Não. Peço que não encare as demais idéias como algo a ser obrigatoriamente seguido, mas como um diálogo (algo que não consigo sustentar, você bem sabe).

Se bem que tanta coisa habita no silêncio... Tanto pensamento mal formulado, tanta angústia engasgada. Tantos gritos calados. Tanta cumplicidade, tanto afeto. O silêncio nos desorienta, astuto. A linha de raciocínio quebra-se tão facilmente, não sei se por culpa tua ou minha. Sei que o futuro me amedronta. Já lhe contei que sofro de nictofobia? Logo conclui-se: temo tudo aquilo que permanece fora do meu controle. Seguir a vida de olhos fechados, é o que procuro evitar. Mesmo sendo necessário. Com alguns tropeços e joelhos ralados, aprende-se a caminhar. E sem caminhar não se recua, mas também não se evolui. Inércia.

Sei que as tuas expectativas em relação ao que mantemos são distintas, bem sei. E quem sabe, nossos objetivos sigam direções opostas. Talvez nunca se encontrem. Talvez eu não lhe baste. Talvez a caminhada lhe seja extensa demais. Mas só talvez, não seja preciso movimentar agora. É tempo para o repouso. Nosso repouso."


Allan.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Premeditar.

Premeditar.
Premedita-me.
Pré-medita sobre mim,
Pré-me-dita.
Como ousa?
Se pré-me-ditas
Pré-me-julgas
Pois dite!
Após melhor meditar,
Medite,
Me-dite novamente.
Premeditas a superfície
Livra-te dos teus pré-conceitos!
Pré-ditas o que não pré-meditas.
Oras.
Pré-me-dite em silêncio.
Observe.
Estude.
Prove.
Ou melhor,
Pós-me-dite.

domingo, 26 de maio de 2013

Abrir as janelas, respirar.

É tempo de mudanças.
Foi-se o tempo dos papéis rascunhados,
Dos restos de borracha,
Foi-se o tempo de apagar.
A época de arriscar esboços finda-se agora.
É tempo de mudanças.

É chegada a hora.
Hora de subir as escadas,
Apertar o botão para o último andar.
Abrir as janelas, respirar.
Ver as nuvens de perto.
É chegada a hora.

Preparem-se os corações.
O que era incerto permanece incerto,
Apesar dos rumores.
Rugem os céus, quieta-se a alma.
Trovoam no âmago os anseios,
Caem as gotas de água.
Preparem-se os corações.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Fátima (Prantos Para Julie)

         13 de maio, noite de uma gélida e cruciante sexta-feira. Allan dormia no sofá da sala, o corpo doído não interferia no semblante desalento que desenhava-lhe o rosto. Na cozinha, a garrafa de uísque não omitia o que ele costumava alcunhar a si mesmo como vergonhoso, fraco e condenável. Um ser humano que travara a pior das guerras: contra si mesmo.

I'll never let you see the way my broken heart is hurting me...

Era ininterrupto, cíclico. Carregava nos ouvidos os mesmos conselhos impacientes, "você é um idiota", ele sabia que a linha entre a estupidez e a esperança era tênue e que sua caminhada sobre ela era um tantinho desequilibrada. Vez ou outra ele bambeava, um lado puxava e o outro tentava segurar firme.

I've got my pride, and I know how to hide all my sorrow and pain...

Sua mente agora dançava. Dançava e dançava descalça sobre a neve, neve de uma floresta cujos pinheiros eram negros, as flores não exalavam cheiro e o horizonte acabava em cinza. Inabitada, abrigando pés roxos e um sorriso tão velho e gasto que necrosava. E a chuva chegava. E sua mente dançava descalça sobre a neve, dançava, dançava... Até que alguém surgisse na cova da Iria e soprasse-lhe os medos para longe.

I'll do my crying in the rain...




Desperte, amor.


domingo, 28 de abril de 2013

Ah!

Quem me dera descobrir porquê as palavras, quando cantadas, são mais facilmente absorvidas pelo coração.
Quem me dera descobrir o que você andou fazendo neste último verão.
Ah, quem dera...
Quem me dera ser um retrato barroco, uma virgem dos lábios de mel e da pele de marfim.
Quem me dera compor as mais belas canções, ser sereia traiçoeira em mar aberto onde os maiores homens navegam sem afundar seus horizontes.
Ah, quem dera...
Quem me dera conhecer todas as palavras do latim e suas definições, seria eu felix.
Quem me dera ser autora, musa inspiradora ou mesmo página primária, que se molha das lágrimas secas de um poeta.
Ah, quem dera...
Quem me dera estar ali naquela fila de cinema, naquele ônibus, naquela pizzaria, de joelhos na capelinha.
Quem me dera estar andando sem rumo e entrar sem querer na tua rua.
Ah! Quem dera...

quinta-feira, 18 de abril de 2013

E Se For Mar?

TRANSFORMAR.
Trans formar
Trans for mar
E se for mar?
Se ir e vir,
Subir e descer.
Trans
Modificar.
Transportar.
E se o mar
Se misturar,
E o que já foi
Nunca mais voltar?
E se eu procurar,
E se eu navegar,
Num barquinho
Que sobe e desce,
A cada onda.
E se eu
Me transformar
Em onda
E me misturar
Entre outras
E nunca mais
voltar?
E se formar?

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Vela Por Ti

Se acendes meu pavio
Comprometes minha estrutura
Me desmancho por inteiro
Traço gotas de cesura.

Velo por ti.

Me desigualo em teu calor
Choro e me desenho
Assimétrico é meu interior
Nos olhares que desdenho.

Velo por ti.

Ninguém lhe avisou
Que não se põe fogo em parafina
Ninguém me avisou
Que te turvas na neblina.

Velo por ti.

Chegando ao meu desfecho
Não há fé, não há luz.
Sem teu fogo, me endureço
Derrubo minha cruz.

Velo por ti.


sábado, 30 de março de 2013

O Impasse em Milhares.

       Apesar dos telejornais anunciarem o início do outono, o assobio gélido produzido pelo vento invadia a janela, e dançava docemente envolvendo-se em seu pescoço. Seu corpo era de todo frio, suas lágrimas escorriam queimando-lhe a pele. Borrava o nanquim pela carta que elaborava. Manchava-lhe as mãos e o rosto, que repousavam vez ou outra sobre o papel tênue. Tais ligamentos não bastavam diante de tamanho peso. Soluçava e contorcia-se, o corpo curvo só acentuava a figura fantasmagórica que tinha de si própria. Contudo, não interrompia o árduo compromisso.

"Sem data, local ou horário. Eu só lhe peço que não se fixe tanto em tais adereços como eu teimo em fazer. Talvez pelo fato de tuas demagogias exercerem influência excedente sobre mim, eu não consiga me calar diante do caos que nos encontramos. Não modero as palavras, porém nunca soube pronunciá-las ao olhar-te. Prender-me em dados convictos é o êxodo que meu subconsciente encontra, quando tudo o que me ofereces é a realidade translúcida e incorpórea.
       E agora sem licença poética, eu lhe jogo a verdade ávida que me escala a garganta há tempos: Estou farta dos teus joguinhos sem dados ou tabuleiro. Não tenho vocação para peça sem senso de direção.
       Atente-se desde já, desejo todos os bens ou não assino teu contrato. Te alimentas de grão em grão, em mim a fome reclama. O relógio anda depressa, em tudo há relatividade. E você bem sabe disso, certo? Sabe que eu não me aguento mais e que hei de explodir enquanto não obter nada concreto que venha de ti. Sabe que não consigo mascarar a reação que provocas em mim. Sabe que aquelas três palavras que eu nunca lhe disse resumem tais reações, lhe apresento-nas por debaixo dos lençóis. Você sabe, e é isso o que me fere. Desde o princípio, não me surpreende. Você sempre soube. Mas há belas coisas simples que tu não faz ideia, coisas que habitam dentro de mim. Uma brisa veraneia nos acolhendo após caminharmos de mãos dadas sobre as folhas do Parque da Cidade, aprecie as pequenas grandes obras de arte que a vida nos constrói. O ruído peculiar do vinil nos servindo de trilha sonora. A tua reação específica quando eu passar os dedos em teu rosto áspero por sobre tua barba. Belas coisas simples, fazendo morada dentro desta válvula que pulsa silabicamente teu nome. É. Você deveria saber, ou ao menos vivê-las comigo. Pois eu lhe asseguro de que não haverá outra dama, outro peão movido a dados em teu tabuleiro. Não competirás tão arduamente quanto agora. Não terás, sob quaisquer circunstâncias, outra partida como esta."

Meia-noite e meia. A garota desmoronava, não aguentava mais a espera doída que era obrigada a se submeter. A carta seria entregue lacrada e manchada para seu remetente, mas lida... Não havia sequer garantia.

terça-feira, 26 de março de 2013

Prezado Desconhecido

Prezado Irmão Desconhecido,

         Sinto-me no dever de comunicar-lhe como boa Estranha que me caracterizo, que teu índice de pretensão corporal está se elevando a cada segundo que passas por tua vida. Que tua necessidade repulsiva de aprovação alheia só me faz lamentar mais e mais e mais... Por ter lhe dado o melhor de mim, quando pedias a pior de minhas faces.
         Lastimo não ter tido punho para socar as mágoas para dentro do íntimo, concentrar as decepções e reduzi-las a pó. A cada contração de minha carne, pranteio.
        Ao retrair o pulmão, percebo. Nadava pairando pra fora do peito, aquilo que nunca deveria ter tido estímulo, encorajamento ou possibilidade. Afoguei-me em meus próprios pecados.
        Ainda que tais feições acolhedoras me sejam familiares, ponho-me a dizer que jamais identificarei palavras e atitudes póstumas. Falecemos, irmão meu.
        Insisto em voltar-me a ti como sangue simbólico do meu, pois agrada-me a teoria de que um dia fomos consideravelmente univitelinos.
        Se te amedronta o contato, a mim o fantasma caracteriza-se pelo longo intervalo. Extenso, quem sabe definitivo. A falta, o vazio, o buraco, a temida e inevitável. A saudade.
        Devo relembrar-lhe de que o querer inicial não partira de mim, assim como a primeira lágrima não originou-se em ti.
        O calor em minha mão agora é somente meu. O sorriso sem motivo se projeta somente em meu rosto. O arrependimento... Não se faz presente.
        Prezado Desconhecido, perdoe-me pela insolência. Senti-me no dever de fazer jus a boa Estranha que sou, e comunicar-lhe. Não que necessites de minha aprovação, em meio a tantas.


Atenciosamente,
        Desconhecida.
           Tua Irmã.
       


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Versos para Julie - Ela é Fogo.

Ela é fogo que arde e alastra destruição.
Queima e dói, aquece e leva consigo por onde caminha.
Farfalha e canta, relaxa e contorce.
Ela é fogo.

Ela é auspiciosa, é quieta e delirante.
Consome e dissipa, ela é frígida.
Ela atenciosamente leva-me a vida.

Carboniza-me a garganta, incinera-me o ser.
Abrasa-me as palavras, escalda-me as lágrimas.

Ela aniquila e clareia.
Queima e abre a visão.
Dói e alivia.
Sobretudo,
Ela é luz.


Allan.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Cartas para Julie - Aos Pés Da Queda.

Terça-Feira, 27 de Agosto de 2013.


            Por fim dou minha última tragada do dia. Consumo inquietude, libero misantropia. Cada fragmento deste ser humano encontra-se mais extenuado do que jamais se conjurou.
            Estou exausto, Querida. Nada me desalenta mais do que teu olhar falsamente auspicioso, que me provoca delírios psicodélicos dos quais somos heróis sem mérito público. Nada me enturva tanto quanto tua voz em minha direção, acompanhada de teu cheiro entorpecente que me tropeçam as palavras e me coram da cabeça aos pés. Me tens na palma de teus arbítrios, e és consciente desta capacidade indevida.
         
            Mas estes dias exigiram um metabolismo que não possuo, excedestes tudo o que este mero amante conseguira sentir. Amante por mais de uma noite, amante de todas as horas, olhares e palavras. Fui amador teu. Omitir meu demérito não é a saída, muito menos tratar-me friamente. Me transtornas com tuas atitudes oscilantes, se ao menos me dirigisse a palavra de forma menos indiferente... Ambos temos consciência do que acontece neste momento aqui incorporado ao meu íntimo, céus! Nada, Julie. Nada do que eu faça parece lhe abrir os olhos. E estou farto da tua posição como governadora do meu temperamento, que a cada dia corre de zero a trezentos quilômetros em menos de um segundo, juntamente ao teu tom. Sei que nunca fui capaz de me controlar por completo, mas você deixa tudo cada vez mais fora da minha competência. Estou farto, contudo, não sei mais viver sem o teu governo frenético.
       
          E tudo o que lhe peço agora que partirei com o coração trancado na maior mala que guardava, é que extermine cada resquício teu da minha playlist, dos meus papéis, das paredes do meu apartamento. Sobretudo, do interior deste pobre sujeito. Como faísca para meu metabolismo, quem sabe a adrenalina. Saltarei preso a ti, e quando meu corpo mencionar um contato com a terra, então retornarei.
     
  Ponho-me aos pés de uma grande queda que nunca será livre.

                                                                                                                            Allan.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Cartas para Julie - 7 Minutos.

 8 de Setembro de 2013.

7 minutos para 365 dias. Há um ano você passara por mim e puxava consigo algo que se prorroga até o presente momento. Recordo-me precisamente das peças que trajava, do modo de andar e do perfume ambiente.
Questionei tua presença por um segundo. Algo tão moldado para se adequar aos meus desejos me brotara do completo vazio. Aguçara nos quatro cantos de mim, vontades inimagináveis por meus meros devaneios. Feito um tolo, na tua frente chorei. De lamentação, de êxtase, gratidão. O simples movimento direcionado a ti me desencadeava um aperto no interior. Era um tanto utópico tal cenário composto por nós dois. Percepção distorcida por minhas expectações ignorantes. Éramos nada, potenciados a ser tudo.
Rispidamente apedrejas os cascalhos que me remanescem.
De que me é venturoso subsistir em tanta amargura que anseio obstinar?
Enganaste um pobre transgressor com teus artifícios instigantes.
Tanta prosperidade fora dizimada.
Teu negrume devasta-me, Querida.
1 minuto para nossa sardônica celebração. Minhas sinceras congratulações. Levaste em teu bolso o melhor que havia neste contraventor.

    
Allan.

Controvérsias.

Há demônios em minha cama
Há veneno em minha bebida
Mas nada é comparável
Á cegueira dos olhos teus.

Há demônios em minha mente
Há sussurros em minha boca
Mas nada é superável
Á secura dos lábios meus.

Há controvérsias em tuas palavras
Há tremor em meu corpo.
Mas nada é excedível
Ao torpor dos olhos teus.

Há insuficiência em mim
Há negligência em ti
Mas nada é nivelável
Ao amor do peito meu.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Cartas para Julie.

Sexta-Feira, 9 de Agosto de 2013.
   
      Eu poderia escrevê-la em padrão de carta, mas não vou. Não vou, pois entre nós a formalidade sempre se fez presente e eu gostaria que por um instante, deixássemos de espelhar um ao outro.

      Tempos fatigantes, Julie. Talvez você se questione o intuito pelo qual eu insisto na repetição do seu nome. Eu já lhe disse que aprecio o timbre de sua voz? Me passas uma segurança irradiada sobre o topo de mil arranha-céus. Deixo-lhe a voz e reservo a mim as palavras, minha intuição se conforta desta forma. Sete meses. Pelo amor de Deus, compreende o que isso significa para alguém como eu? Sete meses de confidência, sete meses trancados num quarto ao som melancólico das músicas que designei como trilha sonora daquilo que nunca se edificou. Sete meses soluçando e gemendo como um recém-nascido em silêncio. Na minha quietude, habitei uma realidade insolúvel.
      Lhe assisti como um pai assiste uma partida de futebol do filho. Me orgulho de cada trajetória que percorreste, de cada vitória traçada com tua pureza sincera. O amor que sinto por você não se restringe meramente a homem-mulher. Eu lhe sinto como carne da minha carne. Tudo o que lhe atinge é apto para me doer.

Sei que falo demais. Venho buscando artifícios que não se retém. Você é demais para mim.

Você me teve naquele instante ínclito, passaste por mim levando consigo algo que não retomarei sob nenhum acaso. Julie, você se tornou o melhor dos meus pesadelos. De todos os meus temores, o mais inconsequente.
    É insólito. Cada passo em tua direção me parece uma aproximação direta com a forca. Você nunca foi um prêmio, Julie. Você é o jogo em si. A razão de lhe escrever, a razão de lhe desejar um bom dia, uma boa noite a cada giro deste mundo. Você me move como peça de um tabuleiro. Contudo, se ao teu lado me reduzo a pó, então assim desejo ser.


Feliz Aniversário, Querida.


                                                                                                               Allan.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Felizes São os Ingênuos.

Tenho escrito muito, ando tentando descrever.
Prorrompi o peito em mil palavras, quem sabe eu lhe alcance em meio a tantos versos.
Pensando bem, nem eu mesma me vejo mais em minhas obras, em meus livros, em qualquer música.
Senão aquela em que lhe caracterizei, lhe mostrei, e você nem por uma vez deduziu.
Lhe descrevi a visão que me passas daqui de dentro.
De dentro do meu intrínseco, da secura em minhas ações quando me ponho frente a ti.
Secura não por natureza, secura por teres tanto de mim em ti,
De teres roubado a alma do corpo, sem que percebestes.
Nenhum autor, ator, ilustrador, poeta, filósofo, compositor ou psicólogo.
Nenhum deles soube descrever as tempestades substanciais que me ocorrem sem previsão.
O que antes era espelho, agora é parede densa e branca tal como inverno.
Insaciável, o mundo me fere externamente. Nenhum veneno excede as ruínas do teu.
Da tua incredulidade que me ultrapassa como lança.
E deixa rastros que percorrem meu rosto até contornarem a boca e embaçar a visão do que não era prudente revelar aos meus receios efêmeros.
Felizes são os ingênuos, em seu mundo quimérico.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sua Alma Imoral


"Então, é o que gente do meu mundo costuma fazer. Beber, drogar-se, inalar uma substância após outra. Inconsequência."
Ele abaixou a cabeça e mirou os próprios tênis, fechou os olhos e riu pelo nariz soltando um meio sorriso debochado. "Se ao menos lhe passassem pela mente que a verdadeira inconsequência não se encontra num filtro de cigarro, muito menos num receptáculo de meros alucinógenos... Não. Não é tão fácil quanto injetar uma agulha."
Esvaziou o copo de uísque pela metade, até deixá-lo cair e ocasionar uma série de cortes em seu corpo. Apanhou seus materiais, despejou-os sobre a escrivaninha e pôs-se a traçar um esboço preciso.
"Eu a encontrei onde se espera encontrar, mas não da forma que se pressupõe. Fui um tolo aliciado por sua alma imoral, esta é a minha cruz."

'Cause all of the stars are fading away, just try not to worry, you'll see them someday...

"Eu sou um transgressor, Julie. E você é o apogeu daquilo que me trouxe ao meu inferno pessoal."

Take what you need, and be on your way...

"Você sempre teve ciência de que seu serviçal não nasceu pra ser consagrado."

...And stop crying your heart out...

"Eu preciso dormir, Julie. Eu preciso me alimentar, por Deus! Eu preciso voltar a abrir os olhos e ver a luz da manhã esclarecer seus cabelos. Não é uma demanda, é um antídoto, e você sabe que não existe outra silhueta de suéter e calcinha que eu anseie assistir frente á minha janela."

Lambeu as costas da mão suja de sangue e álcool, levantou o olhar para o rádio por um momento e limpou a lágrima quente que lhe precingia o canto da boca.
"É Oasis. Céus, como me encontro absurdo nesta situação. O mundo me escarnece, Julie. Apodera-se da minha privacidade com a sua presença, me mata em forma de música. A nossa música."
Friccionou os dedos onde deveriam haver sombras.
"Recordo-me de cada meticulosa curva que se formava em teu rosto quando deitávamos juntos e você entrelaçava suas pernas nas minhas, e do som que fazia quando eu reclamava dos teus pés gelados. Eu lembro da espontaneidade na qual se movia, do jeito meigo de ser, da humildade sincera em tuas ações. Você me surpreendia. Realçava em mim a condição de pecador."
Desenhou a boca, pegou um pincel e passou na ferida do polegar. Seus lábios agora tinham o mesmo vermelho suave de uma aquarela. Assim como a original.
"Lembro-me de configurá-la em minha mente como uma divindade com lábios demoníacos. Nada mais me permite perder a linha do raciocínio tão facilmente. Eu lhe fito a boca e lhe coram as bochechas. Você tem a inocência de uma criança, Julie. É claro, tão somente quando quer."
A retratação perfeita daquilo que o retinha no purgatório. Levantou a folha, mensurou e abriu a gaveta da escrivaninha. Andou até o fundo da sala de estar e colou o desenho no centro do mural. Os joelhos despencaram no assoalho, esmorecido, suas mãos agora arrancavam-lhe as roupas do corpo.
"Eu sei que ainda é capaz de me sentir. Sei o que sinto mas não sei comedir, e isso me corrói. Depois de você, Julie... Eu não tenho absolutamente nada a perder."
Ele sentiu uma explosão dentro do tórax, um nó doído na garanta e a queimadura que o choro deixava em seu rosto.

"Você é a minha inconsequência, Julie. "

domingo, 20 de janeiro de 2013

Panela sem tampa.

Vinha reparado um padrão em sua vida. Não a vida que circunda na presente atmosfera que vivia, mas a vida que completa sua translação dentro de si.
Não se construiu pra ser tampa da panela de ninguém, nasceu como laranja sem metade. Cresceu pra solidão em termos, pra ser o ombro daqueles que possuem a última peça do quebra-cabeças. Pra ser religião, o genuflexório onde os joelhos desgastados depositam as mágoas incorporadas no âmago. Era aquela que todos almejam e aquela por quem ninguém se afeta. Talvez seja tão ordinária que não necessite de complemento. Partindo dessa filosofia, poderia ter em mãos a alma que desejasse. No entanto, que sensatez há em tirar parte de outro? Contudo, poderia querer todas as laranjas, e nenhuma lhe possuir.
Talvez seja amarga demais para conservar gomos de si vagando por entre os andarilhos que não a enxergam.
Deveria haver alguém.
Alguém que apreciasse música dos anos 80,
Alguém que soubesse extrair o melhor de cada ser vivo, que pudesse analisar cada silhueta como uma só.
Alguém que cortasse as cascas do pão, alguém que cantasse pras paredes quando sozinho.
Alguém que desse valor a cada pequeno gesto do dia-a-dia.
Alguém que serenasse seus medos, que passasse o polegar levemente sobre suas sobrancelhas.
Alguém, somente um alguém que ponderasse sobre cada linha dos livros que guarda na prateleira, cujas páginas estão manchadas de café e chocolate.
Alguém que gostasse de Chico Buarque, Zeca Baleiro, Cazuza e Legião.
Alguém que não ligasse pra detalhes fúteis que enchem a cabeça da maioria.
Alguém que contemplasse a arte em todas as suas épocas.
Alguém que sentisse alegria em andar sem rumo, mapeando-se internamente.

Não há ninguém como ela. Ninguém que pudesse preencher seu côncavo. Era singular, um inteiro.
Ela se mantém na prateleira. Até que Alguém resolva retirá-la e ler mais do que meramente o que transparece ser.